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JOÃO 13,
20-27
Em verdade,
em verdade vos digo: quem recebe aquele que eu enviei recebe a mim; e quem me
recebe, recebe aquele que me enviou. Dito isso, Jesus ficou perturbado em seu
espírito e declarou abertamente: Em verdade, em verdade vos digo: um de vós me
há de trair!... Os discípulos olhavam uns para os outros, sem saber de quem
falava. Um dos discípulos, a quem Jesus amava, estava à mesa reclinado ao peito
de Jesus. Simão Pedro acenou-lhe para dizer-lhe: Dize-nos, de quem é que ele
fala. Reclinando-se este mesmo discípulo sobre o peito de Jesus, interrogou-o:
Senhor, quem é? Jesus respondeu: É aquele a quem eu der o pão embebido. Em
seguida, molhou o pão e deu-o a Judas, filho de Simão Iscariotes. Logo que ele
o engoliu, Satanás entrou nele. Jesus disse-lhe, então: O que queres fazer, faze-o
depressa.
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Não há dúvida de que
Jesus veio à Terra com uma missão. Não obstante, e embora preparado para o que
estava por vir, à medida que sua hora se aproximava, “ficou perturbado em seu
espírito”. Há outra passagem, no capítulo anterior, onde Jesus diz: “Presentemente, a minha alma está perturbada. Mas
que direi?... Pai, salva-me desta hora... Mas é exatamente para isso que vim a
esta hora.” (João 12, 27) As duas citações ocorreram, respectivamente, antes
da conhecida passagem do lava pés e logo após esta. Mais à frente, pouco antes
de Judas o trair, Jesus, em oração, pede: “Pai, se queres, passa de mim este
cálice; todavia não se faça a minha vontade, mas a tua. E, posto em agonia,
orava mais intensamente. E o seu suor tornou-se em grandes gotas de sangue, que
corriam até ao chão. (Lucas 22:42,44).
O fato de ter
consciência de sua missão não livrou Jesus de experimentar sentimentos humanos
tão conhecidos por todos nós, nem de pedir a Deus que, se fosse possível, o
livrasse do que estava por acontecer. Observe-se que anteriormente Jesus apenas
cogita a possibilidade de pedir a Deus que o livrasse da Paixão (Mas que direi?... Pai, salva-me desta hora... Mas
é exatamente para isso que vim a esta hora.”), como
que dissesse “não posso pedir isso, já que para isso mesmo foi que eu vim”, mas
depois, à medida que as horas iam avançando e o tempo de maior sofrimento se
aproximava, pede em oração para não beber daquele cálice.
Jesus, embora
perturbado em seu espírito e querendo que Deus o livrasse do sofrimento
iminente, instigou Judas a fazer depressa aquilo que estava querendo fazer. Ele
sabia que Judas o iria trair. Poderia apenas aguardar que ele o traísse no
momento que lhe aprouvesse. Mas, ao contrário, Jesus praticamente o ordenou,
como que dissesse: “já que você vai me trair, já que seu coração está tomado
pelo mal, então faça depressa.”
Aparentemente, há uma certa contradição na atitude
de Jesus. Ele está angustiado, preferiria não ter de enfrentar a paixão e
morte, pede a Deus que o livre, mas diz para Judas o trair sem mais tardar.
É difícil imaginar o quanto foi difícil para Jesus
vivenciar todo aquele sofrimento da paixão até que tudo, como ele próprio diz,
estivesse consumado. Quando paramos para pensar e comparar suas angústias com
as nossas, percebemos o quanto as nossas ficam relativamente menores. É claro
que quando estamos passando por momentos de turbulência em nossas vidas, parece
que só conseguimos enxergá-los com lentes de aumento e as barreiras a princípio
se nos apresentam como intransponíveis.
Mas Jesus nos mostra que, muitas vezes, exatamente o
que precisamos é passar por uma espécie de morte, para que surja uma vida nova.
Às vezes é preciso deixar morrer certos dramas pessoais de uma vez por todas em
nossas vidas. Possivelmente, quando Jesus diz para Judas se apressar no ato de traí-lo
tenha sido para abreviar o seu próprio sofrimento. Ele não foi pedir a Judas
para repensar o que ele ia fazer, para adiar a traição ou para, quem sabe,
aguardar até a próxima festa da páscoa para fazê-lo. Ao contrário, Jesus quer
que ele o traia depressa.
Quantas vezes arrastamos certos sofrimentos ou deixamos
de resolver certos problemas por um tempo indeterminado por não termos a coragem
de ir à raiz para arrancá-los de nós de uma vez por todas? Quantos sofrimentos
nossos não são abreviados porque ficamos gastando energia com soluções
paliativas que mais tarde exigirão de nós mais energia ainda para mantermos um
estado de coisas que nos angustia ainda mais? Quantas vezes preferimos viver
acomodados, morrendo a cada dia, indefinidamente, nos lamentando e até
atribuindo a Deus nosso triste “destino”?
Vida nova é possível para todos nós, mas muitas
vezes só é alcançada quando conseguimos visualizar a ressurreição como certeza,
enfrentando a nossa própria paixão e deixando que seja feita em nós a vontade
do Pai. Lembrando que para isso é preciso sempre nos colocar em oração, como
fez Jesus.